Wednesday, May 30, 2007

O som inconfundível de Tommy Dorsey




O som inconfundível de Tommy Dorsey
Lançamentos celebram o centenário do band-leader
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 16 de Novembro de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Glenn Miller, apesar das limitações como trombonista e arranjador, era o mais carismático dos band-leaders. Benny Goodman e Artie Shaw, geniais clarinetistas, os maiores virtuoses. Mas, na opinião de alguns historiadores, Tommy Dorsey entrou para a história como o líder obsessivamente perfeccionista da mais precisa orquestra da era do swing. Um tempo – o único, aliás – em que o jazz se tornou sinônimo de música popular americana. Mais do que isso, passou a ser “a” música pop americana, com seus expoentes transformados em celebridades de longa duração, adorados por platéias imensas que se esbaldavam em “dance-halls”.

Jazz “comercial” (porque os discos vendiam facilmente milhares de cópias), dançante, divertido e feliz. Tudo que os fascistas tradicionalistas mal-amados abominam, chafurdados em sua eterna frustração de sub-seres, lutando para fazer do jazz uma música “séria”, de museu, de clubinho de estelionatários, acessível somente a pessoas supostamente “exigentes”, impossível de ser apreciada por “amadores” fora da pseud-elite, revelando total falta de auto-crítica para perceber quem são os verdadeiros “bicões”.

Para celebrar hoje, dia 19, o centenário de Tommy Dorsey, dois significativos lançamentos foram preparados pelo selo Bluebird/Legacy, da Sony-BMG. A caixa “The sentimental gentleman of swing – Centennial collection” abriga, em três CDs, nada menos que 68 faixas compiladas de diversos selos no período 1925-1956. Enquanto isso, no CD-duplo “The essential Frank Sinatra with the Tommy Dorsey Orchestra”, 44 faixas documentam a evolução do cantor após trocar a big-band de Harry James pela de Dorsey, transformando-se no crooner mais famoso daquela época, e moldando seu fraseado (e também sua personalidade) sob a forte influência do chefe. Afinal, Sinatra nunca escondeu que aprendeu a frasear estudando as performances de Tommy, trombonista de som aveludado e deslizante.

Rumo ao estrelato

A luxuosa caixa, em formato longbox, revê a trajetória de Dorsey rumo ao estrelato, incluindo excelentes textos dos experts Peter Levinson e Richard Sudhalter, além de uma afirmação polêmica extraída do livro “The big bands”, do historiador George T. Simon, colocando a orquestra de Tommy como “the greatest dance band of them all”. Há também fotos raras do astro ao lado de Louis Armstrong, Gene Krupa, Coleman Hawkins, Glenn Miller, Elvis Presley, e muitos de seus músicos e vocalistas. Mais importante é a excelente ficha técnica, com informação detalhada, faixa por faixa, sobre datas de gravação, instrumentistas, arranjadores, selos originais e os números das matrizes.

Autor das biografias de Harry James, Nelson Riddle e Tommy Dorsey (“Livin’ in a great big way”, editada por Da Capo Press), o escritor Peter J. Levinson aponta a combinação de perfeccionismo e disciplina como os ingredientes básicos para o sucesso de Tommy. Disciplina férrea, deve-se frisar, pois era obcecado em tirar o melhor som de cada instrumentista, de cada naipe, buscava os mais elevados níveis de excelência musical para estabelece-los como parâmetros para sua própria evolução. Associada a um temperamento de tolerância zero em relação a mediocridade, gerou um coquetel explosivo, não raro levando a constantes agressões verbais (e algumas vezes até físicas) aos sidemen.

“Sinatra tinha profundo respeito por Dorsey”, observa Levinson. “A compaixão e a autoridade que dele emanavam levaram o jovem cantor a vê-lo como figura paterna e herói”. Lembra ainda uma declaração do clarinetista Buddy DeFranco, segundo a qual também o baterista Buddy Rich teve sua personalidade fortemente influenciada por Tommy. Analisando o talento do líder como trombonista, afirma que Dorsey tinha consciência de que jamais chegaria aos pés de seu ídolo Jack Teagarden, em termos de originalidade e performance jazzística. Porém, em compensação, ninguém jamais conseguiu superar as fascinantes passagens “em legato” de seu trombone aveludado. “Ele sabia acariciar uma melodia”, conclui.

No texto de Richard Sudhalter são tratadas questões mais técnicas, comparando os desempenhos melódicos e tecnicamente irrepreensíveis no trombone com as atuações crepitantes e mais arrojadas no trompete, instrumento adotado em seu início de carreira. E também as diferenças de temperamento com seu irmão, dois anos mais velho, o saxofonista Jimmy Dorsey, com quem Tommy co-liderou uma orquestra em diferentes momentos. Sempre terminando a associação com grandes brigas.

Caixa luxuosa

O produtor Michael Brooks optou por dividir a caixa em três CDs. O primeiro, “The sideman”, com 25 faixas (restauradas de discos 78 rotações por Harry Coster) mostra Tommy desde 1925, como integrante (ora como trombonista, ora como trompetista, às vezes usando os dois instrumentos em uma mesma gravação, como acontece em “Bugle call rag”) das orquestras lideradas por Ed Kirkeby, Sam Lenin (com Jimmy no clarinete e no sax-alto), Paul Whiteman, Harold Lem, Ed Lang e outros menos votados. Uma das raridades é o encontro de Tommy com seu ídolo Jack Teagarden em antológica gravação de “Cherry”, em 1928, com um grupo de all-stars batizado The Big Aces, do qual fazia parte o próprio autor do tema, o clarinetista/saxofonista/arranjador Don Redman.

Tommy aparece unicamente como trompetista, num registro-solo de “It’s right here for you”, liderando um quinteto. Duas faixas trazem a Dosey Brothers Orchestra: “My melancholy baby” (vocal de Seger Ellis) e “Mean to me” (com arranjo e trombone de Glenn Miller). Tem também TD acompanhando de Ethel Waters (Benny Goodman no clarinete!) a Bing Crosby (“How deep is the ocean?”), passando por Mildred Bailey, as Boswell Sisters e, pasmem, o compositor Hoagy Carmichael atacando de cantor e líder de orquestra em “Moon country”, registro de 1934 com Joe Venuti no violino e Red Norvo no xilofone.

O segundo CD, “The leader”, começa, claro, com o maior hit de Tommy, “I’m gettin’ sentimental over you”, na histórica data de 18 de outubro de 1936. Seguem-se pepitas tipo “Marie”, “Head over heals in love”, “Song of Índia”, “Stop, look and listen” (novamente Glenn Miller como arranjador), um sublime “Imagination” com Sinatra (em 1940), dois petardos compostos e orquestrados por Sy Oliver (“Opus #1”, com a bateria fumegante de Buddy Rich, e “Yes, indeed!”, onde Sy surpreende ao dividir o vocal com Jo Stafford), uma impecável leitura de “On the sunny side of the street” (Nelson Riddle no naipe de trombones) e “Pussy willow” (Louie Bellson na bateria e Jimmy Rowles ao piano). Como curiosidades, três faixas gravadas com um combo chamado Tommy Dorsey & His Clambake Seven, e dois encontros com Duke Ellington em 14 de maio de 1945. “Tonight I shall sleep” traz Tommy como solista da orquestra de Duke, enquanto “The minor goes muggin’” tem Ellington, ao piano, acompanhado pela banda de Dorsey.

No terceiro CD, “The air checks”, preciosas transmissões radiofônicas realizadas a partir de 1939, trazendo as performances mais vigorosas da coleção. No auge, a orquestra supera-se em faixas como “Easy does it”, “I could make you care”, “Stardust” (Sinatra e os Pied Pipers no vocal), adaptações de obras clássicas de Liszt (“Liebestraum”) e Dvorak (“Going home”, baseado no famoso movimento lento da “Sinfonia do novo mundo” composta em 1893, tema que muitos julgam ser um spiritual), “Our love affair”, “East of the sun” (direto do Roof Garden, do Hotel Astor, em NY), “Take the A train” (Ellington ao piano), e “The song is you” (em 3 de setembro de 1942, precedida por declaração de Sinatra, se despedindo da orquestra e dando boas vindas a seu sucessor, Dick Haymes). Na última faixa, a surpresa final, com Elvis Presley cantando “Heartbreak hotel” em 1956, no “Stage show”, programa semanal de TV comandado pelos irmãos Dorsey.

Total simbiose

Quem optar pelo CD-duplo “The essential...”, terá à sua disposição 44 jóias da colaboração Sinatra-Dorsey. Compilado por um trinca de experts (o produtor Didier Deutsch, o engenheiro de som Mark Wilder e o historiador Charles Granata), vai da linda balada “I’ll be seeing you” (26 de fevereiro de 1940) a “Light a candle in the chapel” (2 de julho de 1942). Os arranjos são assinados pelos craques Paul Weston, Alex Stordhal (que seria “roubado” de Dorsey por Sinatra no início de sua carreira-solo na Columbia), Sy Oliver e, somente na pungente “Violtes for your furs”, Heinie Beau. Há emocionado texto de Nancy Sinatra sobre a relação do pai com Tommy, seguido por ótimo ensaio de Granata, autor do premiado livro “Sessions with Sinatra: FS and the art of recording”. Charles chama atenção especial para a faixa “Say it”, na qual Frank e Tommy fraseiam da mesma maneira, comprovando a simbiose entre eles.

Outros destaques do cardápio: “I’ll never smile again”, “This look of mine”, “Oh! Look at me now” (estas três escritas especialmente e sob medida para The Voice), “Without a song”, “Everything happnes to me”, “How about you?” e “Blue skies”. Precisa dizer mais?

Legendas:
“Caixa luxuosa traz gravações famosas e raridades, como o encontro com Elvis Presley”
“A simbiose de Sinatra e Dorsey está documentada neste CD-duplo”.

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