Sunday, May 27, 2007

Benson, Hubbard e Chet Baker em novas retrospectivas




Bombardeio de coletâneas
“Chet Baker, George Benson e Freddie Hubbard ganham novas retrospectivas”
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 17 de Março de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Em pleno Março de 40 graus, mais uma tempestade de coletâneas chega ao mercado. Ao contrário do que geralmente ocorre nas compilações de MPB, repetitivas e paupérrimas em conteúdo informativo, as jazzísticas são cuidadosamente preparadas por experts. Bem embaladas em capas luxuosas, costumam trazer ficha técnica, fotos e até elucidativos textos. Nesta fornada, há jazz para todos os gostos e níveis de exigência. Do romantismo “cool” de Chet Baker aos grooves funkiados de George Benson, passando por Shelly Manne, John Coltrane, Ramsey Lewis, Bobby Timmons e Freddie Hubbard.

Sedutor romantismo

Caso irônico de jazzman que morreu praticamente na miséria, mas permanece rendendo muita grana para as gravadoras, já que seus discos tem venda certa até mesmo fora da seara jazzística, Chet Baker mostra seu sedutor romantismo em “Love songs” (Sony-BMG), compilação produzida por Nedra Olds-Neal. Começa pelas sessões com arranjos de Shorty Rogers, Marty Paich e Johnny Mandel para o célebre “Chet Baker with strings”, de 1954, com Bud Shank, Zoot Sims e Shelly Manne participando de “Love”, “I married an angel”, “Love walked in”, “What a difference a day made” e “I love you”. Depois, pula para alguns registros, de 1974, do álbum “She was too good to me”, com Chet arrepiando como vocalista na faixa-título e também em “My future just passed”, “What’ll i do” e “With a song in my heart”, na excelsa companhia de Don Sebesky, Ron Carter, Steve Gadd e Paul Desmond. Daquele mesmo ano são as gravações, ao vivo, de “There will never be another you” e, claro, “My funny valentine”, sua “signature song”, com Bob James, Ron Carter e Harvey Mason. Ambas extraídas do disco que celebrou o reencontro com Gerry Mulligan, “Carnegie Hall Concert”.

Da mesma série “Love songs”, temos um volume dedicado ao controvertido pianista Ramsey Lewis, que sempre teve mais popularidade do que prestígio junto aos críticos. São 14 faixas gravadas entre 1972 e 1989, em variados contextos. Típico representante do pop-jazz, com forte influência da soul-music e do rhythm & blues (vide “If loving you is wrong”), confirma sua condição de precursor dos formatos radiofônicos conhecidos como quiet storm (“I’ll always dream about you”) e smooth-jazz (“Love song”). Além de performances com a London’s Philharmonia Orchestra, há três faixas (“Midnight rendezvous”, “The two of us”, “Never gonna say goodnight”) de seu disco de 1984 com a cantora Nancy Wilson, recém-premiada, no mês passado, com o Grammy de melhor cantora de jazz. Curiosamente, o maior hit de Lewis, “Sylvia”, do LP “Upendo ni pamoja” (representado aqui por “Please send me someone to love”), que estourou nas rádios em todo o mundo, inclusive no Brasil, foi excluída desta coletânea armada por Bob Belden.

Semente fusion

Outra série da Sony-BMG, “Jazz Moods: Hot”, destaca retrospectivas de George Benson e Freddie Hubbard, ambas produzidas por Richard Seidel, privilegiando as fases dos dois astros na gravadora CTI, nos anos 70. No CD de Benson, destacam-se as antológicas recriações de “White rabbit” (hit do Jefferson Airplane), “Take five” (a versão de estúdio, do LP “Bad Benson”, com magnífico solo de Kenny Barron no piano elétrico Fender Rhodes), “Old devil moon” (inusitado arranjo latinizado de David Matthews para o álbum “Benson & Farrell”, com o saudoso Joe barbarizando na flauta enquanto George quebra tudo na guitarra), “California dreaming” (do Mamas & Papas, com arrasadoras contribuições de Billy Cobham, Airto e Jay Berliner), “So what” (o tema de Miles Davis alicerçado pelo baixo de Ron Carter), “Clockwise” (do álbum “It’s uptwon”, gravado para a Columbia em 1966), e “Hold on I’m coming” (de Isaac Hayes), a única amostra dos dotes vocais de Benson. Faixa-título do LP “Good king bad”, vencedora do Grammy em 1976, na categoria “melhor performance instrumental de rhythm & blues”, completa o cardápio.

Outro a faturar o “Oscar da música” durante sua associação com o produtor Creed Taylor, o trompetista Freddie Hubbard levou a estatueta uma única vez, em 1972, pelo soberbo álbum “First light”. Claro que a música, talvez a mais inspirada composição de Hubbard, aparece nesta coletânea, valorizada por suntuosa orquestração de Don Sebesky, odiado pelos puristas anafroditas. Há também os temas-títulos dos LPs “Red clay” (pauleira hard-bop com Herbie Hancock, Ron Carter, Lenny White e Joe Henderson), “Straight life” (17 minutos de “bravura”, com Jack DeJohnette estraçalhando na bateria, interligado aos percussionistas Richard Pablo Landrum e Weldon Irvine) e “Sky dive” (irretocáveis solos de Benson, Hubert Laws e, pasmem!, Keith Jarrett no piano elétrico). De sua fase posterior na Columbia estão incluídas “Theme for Kareem” e “Take it to the ozone”, feitas para o álbum “Super blue” em 1978.

Craques em ação

A Fantasy Records dá prosseguimento à série “The best of” lançando volumes dedicados a Shelly Manne, Bobby Timmons e John Coltrane. Mais sutil baterista da história do cool-jazz (também chamado de West Coast jazz), ídolo de João Palma e craque nas vassourinhas, Manne pode ser apreciado através de 14 faixas produzidas por Lester Koenig para o selo Contemporary, no período 1953-1961. Ao lado de feras como Art Pepper, Victor Feldman, André Previn (em sua fase de pianista de jazz, antes de se tornar aclamado maestro de música clássica), Russ Freeman, Bud Shank e Charlie Mariano, esbanja fleuma e sutileza em obras de Mancini (“Peter Gunn”), Bill Holman (“A gem from Tiffany”), Shorty Rogers (“Afrodesia”) e John Williams (“Checkmate”, aprontando solo modelar), aventurando-se ainda pelo bop de Charlie Parker (“Moose the mooche”) e pelo hard-bop de Sonny Rollins (“Doxy”). Sua própria “Flip”, de 1954, em inusitado trio com trompete (Shorty Rogers) e clarinete (Jimmy Giufree), evidencia o lado de visionário experimentalista.

O CD dedicado ao pianista Bobby Timmons, abrigando registros produzidos por Orrin Keepnews entre 1960 e 1964, para o selo Riverside, recupera excelentes faixas de um dos grandes mestres do soul-jazz, que soube mescla-lo ao gospel e ao funky (não confundir com o pancadão do DJ Marlboro). Autor dos hits jazzísticos “Moanin’”, “Dat dere” e “This here”, integrante dos grupos de Art Blakey e Cannonball Adderley, Timmons recria estas e outras músicas liderando Ron Carter, Sam Jones, Connie Kay, Jimmy Cobb e Albert “Tootie” Heath. Em piano-solo, mostra inspiradas versões de “God bless the child” (Billie Holiday) e “Lush life” (Billy Staryhorn), atacando de vibrafonista no standard “Someone to watch over me” antes de pilotar um órgão Hammond em “Moanin’”.

Por fim, as maravilhas gravadas pelo tenorista John Coltrane, entre 1956 e 1958, para a etiqueta Prestige, fundada por Bob Weinstock. Já que Coltrane dispensa apresentações, resta dar um panorama do repertório selecionado: faixas com o trio do pianista Red Garland (seu colega no grupo de Miles Davis), incluindo interessante performance de “Bahia” (Na Baixa do Sapateiro), de Ary Barroso, que eu já havia incluído no CD “Brazilian horizons vol.2”; atuações como sideman de outro espetacular pianista, Mal Waldron (“The way you look tonight”) e do lendário arranjador Tadd Dameron (“On a misty night”); três sessões liderando afiados quintetos; e a fascinante “Dakar” com duas feras do sax-barítono, Cecil Payne e Pepper Adams. No último número, “Trane’s slo blues”, dispensa piano, embarcando num improviso vertiginoso apenas com baixo e bateria. Coisa de gênio.

Legendas:
“Bobby Timmons mistura jazz, soul-music, funky e gospel no seu caldeirão de grooves”
“Shelly Manne: elegância, sutileza e refinamento do baterista-mor do cool-jazz”
“Freddie Hubbard tem sua fase áurea relembrada em fascinante compilação”

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